quinta-feira, 19 de junho de 2008

Diários

Lembrou-se de uma conclusão a que tinha chegado há cerca de cinco anos atrás (aquela altura da sua vida em que achava que era verdadeiramente possível chegar a qualquer tipo de conclusão): não tinha jeito para escrever diários. Sempre que tentou, em criança, escrever um diário, cansava-se a meio e nunca escrevia nada que tornasse o papel mais que futuro material de reciclagem. Ao ler o que havia escrito, apercebeu-se que, pelo contrário, não conseguia escrever nada que não fosse, de uma forma ou de outra, uma espécie de diário – um diário escrito em balas e colorido a sangue.

Desde pequeno que se isolava no seu mundo de histórias e crimes. Em muitas conversas na esplanada da sua faculdade havia-se esforçado por fornecer os seus amigos (e a sua própria psique confusa) com explicações freudianas de expiação de sentimentos e frustrações através da escrita – de como a sua escrita, violenta e sarcástica, era uma forma de reagir às atrocidades sociais de uma forma que os seus códigos de conduta não lho permitiam. Mas a verdade (esse monstro indestrutível que mais do que procurar ele se esforçava por evitar) é que era um homem (?) muito só. Tinha muitos amigos, mas isso é um factor totalmente alheio ao sentimento de solidão.

Penso que só quem já alguma vez se sentiu realmente só pode compreender na totalidade a natureza destrutiva da solidão. Aquele frio permanente a percorrer o estômago lembrando-nos constantemente de que ninguém nos ama. Não interessa que alguém nos diga eventualmente o quão especiais nós somos. Ao fim de algum tempo de exposição a este sentimento, ganha-se uma consciência, racional, de que ele nunca vai terminar. Estabelecemos uma relação obsessiva com o nosso coração (ou assim nós julgamos, pois ao fim de algum tempo este deixa de conseguir impor os seus desígnios face ao jugo tirânico do cérebro) e procuramos incessantemente a saída. Mas não a encontramos. Pois na solidão só encontramos mais solidão. Cada pessoa que nos ignora (ou simplesmente prefere outra) empurra-nos cada vez mais para dentro do nosso próprio casulo.

Era essa a razão porque escrevia as suas histórias – não para expiar sentimentos mas para os sentir. Porque na solidão não há alegria, tristeza, alívio, medo, nada – apenas solidão. E porque a sua obsessão auto-depressiva havia incapacitado de tal forma a sua capacidade de se relacionar, social ou espiritualmente, consciencializou-se que a única forma de chegar aos sentimentos era ir além deles, apanhá-los na sua forma de expressão artística. Sabia perfeitamente que não passavam de simulacros auto-induzidos – mentiras cósmicas disfarçadas de palavras. Mas também sabia que eram a única coisa que o mantinha vivo.

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